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09 dezembro 2020

Estado de emergência é quando um homem quiser

Estado de emergência é quando um homem quiser: o Presidente da República escreveu no preâmbulo do seu decreto que “é previsível que esta renovação se tenha de estender pelo menos por um período até 7 de janeiro, permitindo desde já ao Governo prever e anunciar as medidas a tomar durante os períodos de Natal e Ano Novo, tanto mais que a vacinação só começará a ter aplicação generalizada ao longo do ano de 2021. Tal implicará novo decreto presidencial, precedido de parecer do Governo e de autorização da Assembleia da República, já dentro de alguns dias”.

É sabido que os preâmbulos dos diplomas não têm valor jurídico, não passando de afirmações feitas pelo legislador destinadas a contextualizar e explicar as normas que aprova. No entanto, e como claramente era intenção do Presidente, tal permitiu ao Governo aprovar o decreto 11/2020, de 6 de Dezembro, que refere expressamente no seu art.o 1.o que “o presente decreto regulamenta a prorrogação do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.o 61-A/2020, de 4 de dezembro, bem como a eventual renovação do mesmo”. E esse diploma anuncia nos seus artigos 44.o e seguintes já uma série de medidas para os dias 24 de Dezembro e seguintes, referindo o art.o 44.o que “caso se verifique a renovação do estado de emergência a partir das 00:00 h do dia 24 de dezembro, é prorrogada a vigência do presente decreto, com as alterações constantes do presente capítulo, salvo se a situação epidemiológica impuser uma revisão intercalar a 18 de dezembro”.

Temos assim que uma renovação do estado de emergência que não está decretada já está a ser regulamentada pelo Governo e, portanto, a ser executada, violando claramente a regra constitucional da duração do estado de emergência. Ora, não é por acaso que a Constituição estabelece esse prazo, exigindo que uma situação, que é de emergência, não seja banalizada, como acontece claramente com esta regulamentação antecipada de um estado de emergência não decretado. É além disso inconcebível que através de um decreto do Governo se pretenda desde já executar um decreto presidencial que ainda não existe, o que constitui claramente uma violação da separação e interdependência dos órgãos de soberania, exigida pelo art.o 111.o da Constituição.